quarta-feira, 17 de maio de 2017

Dior Sauvage

Com o pôr do sol sobre as montanhas de Santa Monica, no dia 11 de maio de 2017, Dior apresentou sua primeira coleção Cruise sob o comando de Maria Grazia Chiuri, desde a substituição de Raf Simons como diretor criativo. A coleção marcada com o estilo do deserto do sul da Califórnia, um estilo sudoeste jamais visto antes na casa de moda francesa, presente nos cobertores com estampas de cavalo que cobriam as modelos, gravatas de cowboy, cores inspiradas no pôr-do-sol e as peças ecoaram as marcas registradas de Chiuri com saias bordadas transparentes, alças com o logotipo Christian Dior e os vestidos de tule vermelho que ela também desenvolveu na Valentino. As modelos também usavam gravatas de cowboy ao redor do pescoço no lugar de jóias e chapéus de vaqueiro lisos de abas largas. Praticamente cowgirl couture.
Para a estética da coleção e estampas, Chiuri inspirou-em pinturas rupestres pré-históricas da famosa caverna de Lascaux Grotte, que tornou-se pública em 1940 e serviu de inspiração para o próprio Christian Dior em 1951. Chiuri também citou Georgia O'Keeffe, um ícone de arte do sudoeste americano, como inspiração. "Eu quero ter um diálogo com a nova geração de mulheres Dior, que elas possam escolher a peça, e possam misturar de diferentes formas", disse Chiuri. "O que significa ser feminina, ser uma marca que fala sobre as mulheres? Eu acho que tem que falar sobre igualdade de oportunidades", disse ela.

Desfile Croisière 2018




"Eis que me surge no friso de Lascaux, mãe fantasticamente mascarada, a sabedoria com os olhos cheios de lágrimas."
René Char

A descoberta da gruta de Lascaux em 1940 (um complexo de cavernas ao sudoeste da França, famoso pela suas pinturas rupestres) influenciou muito os artistas da época. Para Georges Bataille (escritor francês, cuja obra se enquadra tanto no domínio da Literatura como no campo da AntropologiaFilosofiaSociologia e História da Arte), ela representa o despertar da espécie humana. A força da representação dos animais (cervos, cavalos, bois) nos transporta à infância da humanidade, à sua ligação com a natureza e até mesmo à invenção da arte. Em 1951, Christian Dior apropriou-se dessas pinturas rupestres e fez uma estampa para sua linha batizada Ovale, formato que lembra uma representação feminina primitiva, como a Vênus de Willendorf.

Foi essa feminilidade selvagem e antiga, ligada à magia da terra, que guiou Maria Grazia Chiuri, Diretora Artística das coleções femininas da Dior, ao longo desta primeira coleção Croisière para a Maison. Assim, nasce uma representação feminina que deixa transcorrer no presente essa intuição xamanística, esse espírito selvagem, quase bestial, descrito por Clarissa Pinkola Estés em um livro apreciado pela criadora: Mulheres que correm com os lobos.
   
Maria Grazia Chiuri sempre busca caminhos diferentes para percorrer o legado da Dior. E foram os lobos, animais pré-históricos, que emergiram da gruta de Lascaux e ganharam espaço nos extraordinários jacquards de seda, sobre os quais a cor ocre, quase dourada, contrasta com o preto. Rastos de mãos femininas, reinterpretações de desenhos originais, tornaram-se magníficos bordados de paetês com nuances em tons de terra.
Maria Grazia Chiuri apropriou-se do savoir-faire dos ateliês Dior e o reinventou no formato ideal para contar sua história. Uma história que modifica as proporções e as extensões para ajustá-las às paisagens atuais, nas quais o esporte e a Alta Costura se misturam, a tradição torna-se uma abstração ornamental e os materiais ganham outros parâmetros. 

A glória do instinto a conduz aos vestígios de figuras femininas que se perderam no deserto para melhor compreender o lado mais sombrio e mais profundo do ser. É o que representa a imagem de uma artista como Georgia O’Keeffe, surgida das areias do Novo México. Uma figura hierática que dedicou-se a retratar carcaças. Ou o que Vicki Noble escreveu em seu livro A Mulher Shakti - O novo xamanismo feminino"Quero conhecer a mim mesma até o meu centro sagrado, e nesse espaço, quero conhecer e tocar os outros." É também toda a representação dos tarôs, de cores violentas, reinventados em uma abordagem feminista em Motherpeace (Mãe Paz), criado em parceria por Karen Vogel e por Vicki Noble, que Maria Grazia Chiuri apresenta em uma reinterpretação pop que traz novos ares à arte da vidência, tão estimada por Monsieur Dior. A ideia de que o odor de alguém é a expressão da sua alma é encontrada na interpretação feminina de um perfume emblemático, o Eau Sauvage. A marca imaterial dessa figura selvagem, nômade, leva mais uma vez a mulher ao centro do mundo.
(texto extraído do site da Dior)